Tuesday, February 28, 2017

Prática pedagógica inclusiva

#Pracegover
Fotografia com uma lousa branca ao fundo fora de foco, escrita com caneta vermelha e azul.
Em primeiro plano, duas meninas conversam em LIBRAS, sendo que uma delas está vestida de azul e está de frente e a outra, de roxo, está de costas. 


Sempre que penso em prática de educação inclusiva, penso sempre na área em que atuo: Linguagens. Como que o surdo adquire as segundas línguas no ensino regular, considerando que tanto Língua Portuguesa quanto Língua Inglesa são, conjuntamente, consideradas "línguas estrangeiras" para o sujeito surdo? Como tornar, em específico, o ensino de Língua Portuguesa efetivo para os surdos?

A partir destes questionamentos, procurei práticas que pudessem ser efetivas para tal. Encontrei algumas ideias pela internet, mas foi no livro "Tenho um aluno surdo, e agora?" que encontrei boas ideias relacionadas à prática pedagógica inclusiva. Nele, o capítulo "O ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos: impactos na educação básica", de Ana Cláudia Balieiro Lodi, trata da aquisição de linguagem dos surdos por meio da língua brasileira de sinais - a LIBRAS. A autora ressalta que nas práticas de ensino bilíngue para surdos, há de se considerar as particularidades e a materialidade da língua de sinais, bem como os aspectos culturais associados a ela. Por esse motivo, deve-se considerar que metodologias de ensino devem ser pensados a partir desta língua.

Vale ressaltar que uma particularidade muito importante que a pesquisadora ressalta é o fato de que os alunos surdos muitas vezes são pressionados a obterem resultados rápidos quanto à aprendizagem da linguagem escrita, desconsiderando que o desenvolvimento da LIBRAS se faz necessário anteriormente, pois é por meio dela que os surdos criam os signos linguísticos e se apropriam do mundo. Tal apropriação torna possível ao surdo a aquisição da linguagem escrita.

O desenvolvimento da linguagem, conforme a autora cita Bakhtin, acontece por meio de enunciados que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal que se efetiva com os indivíduos que nos rodeiam, considerando os gêneros do discurso, que são enunciados relativamente estáveis, elaborados conforme as condições específicas de cada atividade. Para usar os gêneros do discurso, é necessário dominá-lo, pois para que um enunciado seja compreendido, precisamos conhecer as estruturas gramaticais, bem como as formas estabilizadas do enunciado.

Para deixar clara a importância do desenvolvimento da linguagem escrita a partir dos gêneros discursivos, a autora apresenta um caso de uma professora de adolescentes surdos que lhe abordou em um congresso para falar de uma prática de ensino. A referida professora lhe disse que mesmo sendo fluente em LIBRAS e seus alunos também, tinha dificuldade em trabalhar com os alunos textos de reportagens da esfera jornalística. A professora, antes da leitura dos textos, trazia as mesmas reportagens no formato televisivo, as quais eram interpretadas em LIBRAS por adultos surdos. Além disso, discutia com os alunos a fim de contextualizá-los sobre o assunto em questão e acessava o conhecimento prévio e posicionamentos deles a respeito das temáticas. Entretanto, a professora percebia que os alunos sentiam dificuldade em entender a tradução realizada, como também a leitura da reportagem.

Lodi diz que concorda com a abordagem da professora como trabalha as reportagens, porém questiona se a professora trabalha previamente o gênero jornalístico com os alunos, ou seja, como este texto se organiza, a linguagem utilizada, a maneira como a temática é abordada neste gênero pelo autor. Dominar a língua não basta para transitarmos pelos diversos gêneros, visto que desconhecê-los pode impedir a compreensão do texto.

Dessa forma, percebe-se que os alunos entendiam os gêneros discursivos em LIBRAS, mas não a linguagem usada pelo autor nem os elementos que constituíam os textos da esfera jornalística. Ou seja, anterior à interpretação, ao conteúdo a ser passado, aos possíveis sentidos, ao posicionamento do aluno, para que seja significativo para o aluno surdo, é necessário que haja o contato com o gênero discursivo, primeiramente em LIBRAS e posteriormente em língua portuguesa, por meio da leitura. Para isso, o professor deve colocar os diferentes gêneros em diálogo com outros, visto que a prática de leitura acontece sempre por conhecimentos anteriores e desenvolvidos durante a vida com textos conhecidos previamente, inclusive no tocante aos elementos composicionais dos gêneros, aparentemente tão óbvios, porém devem ser trabalhados cuidadosamente e sem pressa para que os sentidos sejam apreendidos pelos alunos.


REFERÊNCIA
LODI, A. C. B. Ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos: impactos na educação básica. In: LACERDA, C.B.F. SANTOS, L. F. (Orgs) Tenho um aluno surdo, e agora? São Carlos: EdUFSCar, 2013. p. 165-183.